Quem sou eu

Me abre, me lê, confessa. Sou eu quem sei todos os seus segredos traduzidos em meus conflitos. Vem

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Ojesed

Ele estava sentado na cama, suado e exausto. Olhou para trás e a viu enrolada nos lençóis, a sua beleza inconfundível mesmo de costas, a lua que adentrava a janela entreaberta do ninho de amor realçava as curvas dela, o desenho de sua pele àquela luz era quase divino.
Ele se sentia confuso com tudo, a noite havia sido perfeita, o jantar, as flores, as risadas e até mesmo o sexo. Mas ele sentia que ainda lhe faltava algo, algo que talvez ele mesmo havia criado em sua perspectiva de vida. Lhe faltava algo ao qual ninguém nunca soube explicar, o que era, de onde vinha ou como conseguir... Coisas como essas deveriam vir em manuais, detalhadamente explicados, não com aqueles termos difícieis "ocitocina, serotonina...".
Ela se virou, afagou-lhe as costas do namorado e perguntou porquê ele estava acordado. Ainda em um tom meio distante, ele tentou disfarçar, disse que não era nada.
Mas ela não se convenceu, parecia saber o que ele pensava e respondeu, mesmo sem nenhuma pergunta ter sido lançada:
- Você ainda se preocupa com isso, meu bem? Eu estou aqui com você, eu te amo.
Ele levantou a cabeça, não a olhou, faltou-lhe coragem.
- Não é você o problema, sou eu. Não sei se estou pronto para isso que chamam de amor, aliás eu desconheço o que seja isso, fico assustado à menor menção desta palavra. Não me sinto uma pessoa por completo e que tenha capacidade para então, amar outra.
Ambos calaram-se, o silêncio pesou em seus ouvidos. Até que ela falou:
- Mas não se prenda. Não ache e tome como verdade para si o que os outros dizem, experimente, viva. Não se deixe prender por não ter coragem de enfrentar a realidade.
Ele finalmente conseguiu encara-la:
- Estou preso porque quero, é tão mais reconfortante para mim viver nesse mundo criado por mim... aonde conceitos como 'amor' são apenas banais e...
- Shh... - ela o interrompeu - Então esqueça esses conceitos, esses rótulos. Esqueça todas essas idéias que plantam em sua cabeça. Nunca lhe disseram que definir é limitar? Apenas te peço que viva, e então descubra, tudo em seu tempo, o que vc quer descobrir.
Ele assentiu com a cabeça, e se sentindo muito mais leve beijou os lábios da namorada e deitou-se ao lado dela. Seus pensamentos voaram longe com o desfecho daquela noite.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

"Amorestesia'

Na inapetência do meu ser, sem ter mais no que e aonde viver, eu vivi. Mas vivi com aquela sensação de morte e prisão, com alguma coisa que pulsava inquieta em meu íntimo me fazendo questionar o porque daquele sentimento que me prendia como uma teia invisível e não me deixava aproveitar aquela talvez aterradora liberdade a qual eu nasci para.
Não sei se por conforto em meu íntimo, eu sinta apenas para ficar preso e não sofrer ou poder ter algo para culpar. Eximir-se de qualquer culpa parece tão delicioso, por pior que seja.
É talvez, algo que eu devesse aprender a controlar, engraçado como as certezas nos fogem da cabeça e as vezes nos desestruturam por completo. Mas é diante de todas essas verdades, e percebendo para o que eu nasci, que eu tenho cada vez mais certeza da minha necessidade, mesmo isso fazendo com que eu me torne vulnerável, mesmo isso me concedendo de graça um ponto fraco. A sinestesia dos meus amores não passa de nada além de uma tentativa falha para me assegurar de qualquer sofrimento.

E eu não quero mais.

segunda-feira, 20 de dezembro de 2010

Bolso da calça

Pra qualquer um que visse de longe, seria apenas um pedaço velho e amassado de papel. Eles não teriam a noção de quantas lágrimas já haviam sido derramadas por aquele 'trapo' feito de celulose, que agora não passava de um pedaço de nada, que dois amigos insistiam em guardar entre si.
Aquele pedaço de papel, estático no asfalto escaldante não parecia sentir mais as agressões físicas e possivelmente emocionais que aquele quase sertão poderia despertar. Mas como uma bailarina, veio dançando com a brisa leve, que o carregou por aquela ladeira, rodeada por gigantes espectadores, silenciosos, que arranhavam o céu azul. O pedaço de papel descia, com a graciosidade de um baile perfumado, aquilo que lembrava uma montanha íngreme. Mas ele, o papel, já não sentia mais nada, não ouvia mais nada e nem falava. Porque o que estava escrito nele fazia com que as pessoas fugissem, como se fosse uma mentira de tamanho sem igual. Aquilo que estava escrito nele, jazia das lembranças póstumas de dois amigos, que já não se viam mais.
O pedaço de papel rolou e aportou em meus pés, virado para cima, aonde era possível ver o que tanto temiam os mortais, como se aquilo os fosse marcar a ferro e fogo. Eu pude então, ler, em letras garrafais, escritas com tanta força que pareciam penetrar o papel quase de um modo obsceno.
Eu li as três palavras que levariam qualquer mente humana fraca à loucura, mas que seria capaz de acalentar qualquer que soubesse dosá-las, quase omeopaticamente.
Eu li, e tomei para mim o significado daquelas três palavras, juntas em uma frase só, que eu aprendi a partir desse dia.

Eu dobrei o papel e o coloquei no bolso traseiro da calça, senti quase um frênesi imediato e então, para aquele que se postou diante de mim, e me deu um anel, eu proferi as três palavras mágicas: Eu te amo.

domingo, 19 de dezembro de 2010

Laranja

Ele não fazia idéia de onde estava, desconhecia aquele lugar, aquela cama e aquele cheiro... parecia laranja, com aquele cheiro cítrico e doce, que inflamava os ânimos e afagava o desejo.
O quarto era pequeno e simples, uma cama, uma estante com alguns livros, uma janela e uma porta branca, que estava entreaberta e parecia desembocar numa cozinha.
Ele continuava inquieto, sentado na cama e esperando alguém para tira-lo daquele desespero que era quase acalentador. Alguém vinha chegando pela porta, ele conhecia aquela silhueta e o cheiro, que misturava laranja e o cheiro que só ele tinha, ah o cheiro.
Ambos deitaram na cama e se mantiveram, inquietamente, estáticos, com medo de qualquer ação brusca para uma reação ainda pior. Cada um podia farejar o desejo transpirante pelo outro, mas fingindo que isso nunca existiu, viraram-se de costas. Por um momento tudo parecia ter aquietado, nem mesmo as moléculas de oxigênio pareciam circular pelo ar.
Mas, como se cada passo tivesse sido arquitetado, a mais perfeita reação ocorreu entre os dois corpos semelhantes, opostos e dispostos, que se atrairam mutuamente para o que a noite os oferecia. Uma tentação, uma mordida "ai!" uma carícia afagava. Era quase um processo de unificação de corpos, se não fosse pela diferença hierárquica e espacial do momento. E tudo se repetia, apenas aumentando a dose e a intensidade, até que finalmente... ambos tombaram cansados para os lados.

Hematomas, arranhões, um lençol lascado e aquele cheiro de laranja foram os produtos daquela reação irreversível.

Salivando um beijo, teu

É laranja, tudo aquilo que não tem sabor e nem cor.
Talvez, laranja, tudo aquilo que me lembra você.
Como uma laranja que vai se despindo aos poucos daquela casca verde, e mostrando para o mundo o seu verdadeiro valor. Quase o seu verdadeiro 'eu'. Um interior saboroso, que mesmo com a afirmação de muitos, poucos foram aqueles que já a desfrutaram.
E mesmo que lhes pareça desinteressado, é só charme e faz parte dela, como nunca o fez antes, tem medo do que possa acontecer.
"Tá tudo bem com você?" Melhor agora, que tenho você á minha volta simulando um toque que faz desabrochar.

Mas olha, mesmo com tanta coisa no caminho, não esquece da laranja que me faz ficar bem mais.